MILÍCIAS
Acusados de pertencer a milícias foram presos após churrasco na Zona Oeste do Rio de Janeiro (Foto: Reprodução)
As mortes da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson
Gomes completam um mês sob uma certeza: a investigação esbarrará em
milicianos que atuam no Rio de Janeiro em algum ponto da cadeia de
eventos que resultou nos dois assassinatos. As milícias cariocas são
integradas por policiais, ex-policiais, bombeiros e até guardas
municipais que formam quadrilhas especializadas em vender proteção, em
extorsão e na exploração ilegal de serviços como transporte coletivo,
distribuição de gás e serviços de internet e TV a cabo.
Até o momento, a suspeita mais visível sobre o envolvimento de
milicianos aponta para o executor do crime, o homem que disparou quatro
vezes contra a cabeça de Marielle. Pela precisão dos tiros e pelo tipo
de armamento usado (uma pistola com presumível kit de rajada e
silenciador), o assassino é um pistoleiro profissional. No Rio, a
maioria deles é ligada a alguma organização paramilitar. Apesar de a
Divisão de Homicídios da capital e o Ministério Público do Rio terem
firmado um pacto de silêncio enquanto buscam os responsáveis, uma
autoridade da segurança pública fluminense chama a atenção para outro
detalhe: dificilmente os matadores — três ocupantes do Cobalt prata que
interceptaram o carro de Marielle no bairro do Estácio — ficariam à
espera da vereadora na Rua dos Inválidos, centro do Rio, por cerca de
duas horas, sob o risco de uma abordagem policial, se não tivessem uma
carteira ou distintivo para mostrar.
Dez anos depois do relatório final da CPI das Milícias, iniciativa do
mesmo PSOL de Marielle Franco, a morte da vereadora afastou as dúvidas
que ainda restavam sobre o tamanho e a força das milícias no estado.
Levantamento do setor de Inteligência do Ministério Público estadual
alertou que, no período, as milícias dobraram sua área de atuação no
município do Rio. De 2010 até hoje, grupos paramilitares aumentaram de
41 para 88 o total de favelas sob seu controle.
O poder de fogo se mantém como principal alavanca da expansão dos
paramilitares no Grande Rio. Mas a milícia já não é a mesma que o
deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) denunciava em discursos na
Assembleia Legislativa do Rio em 2008. Além das atividades conhecidas,
como cobrança de taxas de proteção contra eles próprios e oferta de
produtos como gatonet, gás e transporte alternativo, os milicianos
ampliaram os negócios e entraram com fúria no mercado da construção
irregular e expansão clandestina da malha urbana da cidade.
Favorecidos
pela ineficácia dos órgãos de fiscalização e pela simpatia de setores
da política local, os milicianos agem a céu aberto, promovendo ações de
grilagem, de remoções forçadas, de venda de material de obras, de
construção ilegal e de corretagem imobiliária. A ousadia é tamanha que
os paramilitares invadiram áreas protegidas para desmatar, lotear e
explorar ilegalmente pedreiras e saibreiras. E, quanto mais avançam
sobre áreas não edificáveis, mais ampliam os mercados consumidores de
seus produtos.
Na década passada, quando as autoridades do estado finalmente
acordaram para o problema e deixaram de ver o miliciano como protetor da
comunidade, uma série de operações policiais, comandadas pela Delegacia
de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), tirou de
circulação as principais lideranças da época, como os irmãos Jerônimo
Guimarães Filho, o Jerominho, ex-vereador, e Natalino José Guimarães,
ex-deputado estadual, Ricardo Teixeira da Cruz, o Batman, Toni Ângelo de
Souza Aguiar, o Erótico, e Marcos José de Lima Gomes, o Gão. Todos eram
ligados à Liga da Justiça, facção miliciana da Zona Oeste da cidade.
Porém,
com o passar do tempo, o combate ao crescimento da milícia perdeu a
relevância — a Draco foi reduzida a um quadro de 15 agentes — e abriu
caminho para a renovação das lideranças. Enquanto a velha guarda cumpria
pena em presídios federais distantes do estado, uma nova geração se
consolidava no poder com outra visão de negócios. Ela deixou de ver o
tráfico como um inimigo a ser aniquilado e passou a considerá-lo um
parceiro estratégico e braço armado na campanha pela ampliação dos
territórios dominados.
A principal referência da nova geração é Wellington da Silva Braga, o
Ecko, que escapou por pouco de ser preso numa operação desencadeada
pela polícia no sábado 7 de abril, em Santa Cruz. Na ocasião, quase 150
pessoas foram presas durante evento num sítio do bairro. Houve troca de
tiros, com quatro mortes, e apreensão de 13 fuzis, sete pistolas e uma
granada.
Foragido, com mandado de prisão preventiva pendente desde
setembro do ano passado, Ecko consolida-se como o inimigo público
número um das forças de intervenção.
(ChiciOtávio/Época)
Nenhum comentário:
Postar um comentário